terça-feira, 17 de junho de 2014

Diário de Caminhada - Etapa XIX: Rubiães - Tui

“Da nossa casa a Santiago de Compostela”,

Etapa XIX: Rubiães - Tui
13 de Abril de 2014, domingo

Caminhantes: Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Elsa Maia, Fernando Gaspar, Fernando Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Paula Marques, Piedade, Raul Maia, São Branco, Zé Manel Machado.

Sinopse:

Inicio em Rubiães: 07:50 horas
Chegada a Tui: 15:40 horas
Distância percorrida: 20 km
Tempo total de caminhada: 06:50 horas
Tempo parado: 01:43 horas
Velocidade média: 4,3 Km/h


Povoados e locais de referência ao longo do percurso: Ponte romana sobre o Coura (Rubiães), Igreja de S. Bento, Gontomil, Fontoura, Paços, ponte romana da Pedreira, Arão, Praça-Forte de Valença, Ponte Internacional de Valença-Tui, embarcadouro de Tui, Catedral de Tui.


Acumulado:
Caminho: 439,2 Km
Bacias hidrográficas: Tejo, Zêzere, Mondego, Távora, Varosa, Douro, Tâmega, Vizela/Ave, Cávado, Neiva, Lima/Labruja, Coura, Minho.
Distritos: Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real, Porto, Braga; Viana do Castelo.
Concelhos: Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Belmonte, Manteigas, Guarda, Celorico da Beira, Trancoso, Aguiar da Beira, Sernancelhe, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego, Peso da Régua, Mesão Frio, Baião, Amarante, Felgueiras, Fafe, Guimarães, Braga, Vila Verde, Ponte de Lima, Paredes de Coura, Valença. Galiza.

Fonte: GPS de Joaquim Branco
(ver track AQUI)

Despedida do albergue de Rubiães às 07:50, em direcção à ponte romana sobre o rio Coura. Daqui, em bom ritmo até S. Bento. Continua-se por entre verdes prados, bosques frondosos e riachos cantantes. Cruzamos Gontomil, Fontoura, Paços, a romana ponte pedreira, Arão, rumo a Valença do Minho. 
É visível e notório o aumento da densidade de peregrinos. Para além das nossas já conhecidas alemã, mexicana e sempre sorridentes jovens de Resende, foi estabelecido contacto com muitos outros. Destaque para o casal de americanos da Virgínia, que iniciaram no Porto, o italiano, figura esguia e já bem entradote que há pouco mais de um mês partira de Santarém, e, uma especial referência às duas gaulesas que na nossa rectaguarda, acharam o que tinha sido perdido pelo Inserme. Num pedaço do troço em bosque, saltaram da bolsinha presa ao cinto, sem ele lhes ter dado autorização, o telemóvel, uma carteirinha com o cartão de cidadão, cartão multibanco e 2 notas de 20.  Dando-se conta da falta, logo emergiu o espírito solidário e alguns peregrinos acompanharam-no a refazer o caminho em sentido contrário, olhos postos no chão, atentos. Foi breve, muito breve, a demanda, pois já as duas simpáticas senhoras gaulesas vinham a descer agitando os braços na ponta dos quais estavam seguros um telemóvel e a carteirinha. Inserme ainda se ofereceu, en français, bien sur,  para lhes pagar um verdinho tinto em malga branca. Elas aceitaram apenas os agradecimentos.


Valença do Minho ocupa uma posição estratégica. Basta analisar o mapa do Minho e da Galiza para se perceber que teria de se ali a passagem entre uma e outra região. A ponte internacional foi inaugurada em 1886, dando cabo do negócio dos barqueiros que asseguravam a travessia do rio Minho, mas abrindo um oceano de oportunidades aos comerciantes de atoalhados. Naturalmente, o caminho tem passagem obrigatória pelo local do antig0 embarcadouro, utilizado durante séculos pelos peregrinos vindos de sul.
Antes porém, fizeram estes peregrinos questão de subir à cidadela abaluartada de Valença, o maior atractivo turístico da cidade, com entrada mais ou menos triunfal pela Porta da Coroada. Na sua configuração actual, muito bem conservada, abone-se, esta praça-forte terá sido iniciada sobre a estrutura primitiva medieval, na época da Restauração de 1640, contribuindo, também ela, para travar a construção da Ibéria. Não terá sido suficiente, todavia, reza a história, para travar o general Soult comandante da segunda invasão napoleónica.

A zona histórica da cidade, sobretudo no interior da segunda fortaleza fervilha de actividade comercial, seguramente sustentada pela procura galega, com as estreitas ruas pejadas de pequenas lojas atafulhadas sobretudo de roupas e os tão apreciados atoalhados pelos nossos irmãos ibéricos. Saudação discreta a S. Teotónio, junto à capela do Bom Jesus, o primeiro português a ser canonizado pela Igreja Católica Apostólica Romana. Numa leitura mais ou menos política, foi avançada a tese, obviamente espontânea e não fundamentada, de que terá dado jeito ao nosso primeiro Afonso que o seu amigo e aliado Teotónio tenha sido canonizado logo em 1163, um ano após a sua morte. Conseguimos imaginá-lo, inchado de orgulho, a exibir tal troféu à progenitora Teresa e seus amigos galegos, prova maior da sua imparável influência no Vaticano, rumo à consolidação da independência lusa.



Lá em baixo, o rio Minho, e, à distância de um tiro de canhão, a mui nobre e antiga vila de Tui. A ponte é atravessada por passadiço lateral, facilitando a admiração do vale do rio minho que divide as terras galegas e portuguesas.

A etapa termina após ligeira subida por algumas ruas estreitas na bem conservada zona histórica de Tui, à porta da catedral de Tui. Breve visita à mesma para apreciação do trabalhado pórtico principal, e interior onde, entre muitos motivos de deleite, sobressai o vistoso órgão de tubos. Que som celestial dele se extrairá!



Faltam 115 km. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Diário de Caminhada - ETAPA XVIII: Ponte de Lima - Rubiães


“Da nossa casa a Santiago de Compostela”,

Etapa XVIII: Ponte de Lima- Rubiães
12 de Abril de 2014, sábado

Caminhantes: Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Elsa Maia, Fernando Gaspar, Fernando Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Paula Marques, Piedade, Raul Maia, São Branco, Zé Manel Machado.

Sinopse:

Inicio em Ponte de Lima: 07:30 horas
Chegada a Rubiães: 13:35 horas
Distância percorrida: 18 km
Tempo total de caminhada: 06:00 horas
Tempo parado: 01:16 horas
Velocidade média: 4,2 Km/h


Povoados e locais de referência ao longo do percurso: Ponte de Lima, Ponte de Giães (sobre o rio Labruja), Ermida da Senhora das Neves, Fonte das 3 bicas, serra da Labruja, Cruz dos Franceses, Portela da Labruja, Igreja de S. Pedro de Rubiães .


Acumulado:
Caminho: 419,2 Km
Bacias hidrográficas: Tejo, Zêzere, Mondego, Távora, Varosa, Douro, Tâmega, Vizela/Ave, Cávado, Neiva, Lima/Labruja, Coura.
Distritos: Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real, Porto, Braga; Viana do Castelo.
Concelhos: Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Belmonte, Manteigas, Guarda, Celorico da Beira, Trancoso, Aguiar da Beira, Sernancelhe, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego, Peso da Régua, Mesão Frio, Baião, Amarante, Felgueiras, Fafe, Guimarães, Braga, Vila Verde, Ponte de Lima, Paredes de Coura.

Fonte: GPS de Joaquim Branco
(ver track AQUI)

O dia amanheceu fresquinho mas solarengo. O Lima corria um pouco menos impetuoso do que no final de Janeiro, quando concluímos a etapa nº 17, permitindo a dois pescadores a navegação tranquila, supostamente, foi aventado, à cata de lampreia. 

Confirmado de um lado e de outro, conferiram-se os arcos da velhinha ponte romano-gótica em número de 22. Passagem obrigatória pelo albergue, viragem à direita em direcção ao trabalhado portão da quinta do Sabadão. Logo se começou a pressentir que deixámos de estar sós a fazer o Caminho. Ponte de Lima fica na confluência do caminho central e do caminho interior na variante Camino Torres (o “nosso” caminho desde Trancoso), bem como é ponto de partida para inúmeros peregrinos. Haveríamos de estabelecer contacto com um casal de jovens italianos, uma mexicana e outra alemã ambas na casa dos 50, um casal de americanos, duas francesas, mais um italiano, mais um alemão, um venezuelano, fora os portugueses com destaque para as companheiras de albergue, as simpáticas e sorridentes jovens Sofia e Anabela de Resende.


O rio Labruja, afluente do Lima, acompanha-nos durante alguns quilómetros, com destino oposto ao nosso, oferecendo a sua partitura musical e alguns recantos e cascatas agradáveis à vista e às máquinas fotográficas.



Em Codeçal, junto à ermida da Senhora das Neves, um café, o último até Rubiães. Solicitada a devida autorização, foram 3 mesas encostadas à parede ensombrada da ermida sobre as quais se estenderam os farnéis. Para registo histórico, eis o cardápio das etapas XVIII e XIX:

Febras palitadas com picles, salada de polvo, omolete de farinheira, chouriça, morcela, bolinhas de carne com farinheira, ovos verdes, pastéis de bacalhau, pastéis de legumes, rissóis de camarão, vigaristas, bolacha do deserto, borrachões, bolinhos de côco, uvas, laranjas maçãs, ananaz
  
Na pequena esplanada do café posavam ao sol duas senhoras que caminhavam juntas, uma mexicana a outra alemã. À vista do variado farnel, quiseram saber se tínhamos cozinhado tudo aquilo antes de partir. Os peregrinos fizeram juz à hospitalidade e simpatia portuguesas e chamaram-nas a partilhar a degustação, e elas, não menos simpaticamente, aceitaram os ovos verdes, pastéis, borrachões e demais iguarias. Haveriam de pernoitar, como nós no albergue de Rubiães, e haveríamos de as encontrar por diversas vezes ao longo das duas etapas até Tui, ao ponto de numa das tasquinhas para reforço de verde tinto em malga branca, uma delas, se despedir: “adeus, até ao próximo café”.

O troço prossegue por entre verdes minhotos, prados viçosos, vinhas já a despontar, floresta frondosa de árvores muito empinadas, com vistas para a Matriz de Labruja e para o Mosteiro do Senhor do Socorro. 




Na fonte das 3 bicas, breve paragem para reposição cautelar de stock de líquidos, informados do que aí vinha: a subida da Labruja. Troço agradável, duro qb, quase a exasperar a Guida, justificando palavras de incentivo e até um empurrãozinho. Pausa na Cruz dos Franceses, uma espécie de ex-libris do Caminho, local que pretende assinalar uma escaramuça ocorrida no final da segunda invasão francesa, que o marechal Soult conduziu pelo norte. A coisa não lhe correu bem, como se sabe, tendo sido obrigado a fugir também pela Galiza e, terá sido ali quase no cimo da Labruja que alguns soldados napoleónicos em fuga foram tragicamente impedidos de regressar à Gália.






O local está pejado de pequenas pedras que milhares de peregrinos vão deixando, uns para expiar os seus pecados, outros apenas para assinalarem a sua passagem. O nosso Carlos Matos, veterano sabido e experiente, ia preparado com uma caneta apropriada, de tinta resistente à água, com a qual alguns peregrinos escreveram o seu nome nas pedrinhas.

A Portela da Labruja marca a passagem da bacia hidrográfica do Lima para a do Coura. A descida faz-se descontraída na expectativa da chegada breve a Rubiães. O mapa indicava a proximidade de Romarigães e da Casa Grande que o mestre Aquilino elegeu como cenário central da sua obra prima literária. A vontade de a visitar ficou desde logo gorada com a informação de que o edifício estaria em adiantado estado de degradação, não justificando o desvio. Que pena. Senhores autarcas de Paredes de Coura, shame on you! (perdoe-se-nos o british desabafo). No final da descida, na área de Agualonga, um empreendedor percebeu o filão oferecido pelo Caminho e montou uma tienda numa roulotte, onde reencontrámos o casal de jovens italianos.

Já se avista a Igreja de S. Pedro de Rubiães onde os nossos urban sketchers Paula, Matos e Micaelo haveriam de passar duas horas na contemplação e a passar ao caderno gráfico.

Nas imediações do albergue de Rubiães, vão surgindo placas anunciadoras e publicitárias de unidades de alojamento alternativas, sinal de que o Caminho mexe e justifica certos investimentos.

Finalmente, o albergue, adaptado de uma antiga escola primária. O senhor Presidente da Junta esperava-nos para nos registar no livro, nome, número da caderneta de peregrino, origem. Mais tarde, haveríamos de o espreitar, para constatar: a) a média diária do mês de Abril era de cerca de 30 peregrinos; b) a esmagadora maioria eram estrangeiros; c) destes, a maioria era oriunda da Europa, sobretudo do norte, mas também havia registos de gente de latitudes tão distantes como o Japão, a Venezuela ou o Brasil; d) somos os pioneiros oriundos de Castelo Branco.


Após o revigorante duche, a tarde foi gasta na troca de ideias sobre o país e o mundo. O jantar teve a leveza à vontade de cada um. A noite teve como único putativo motivo de reportagem o facto de Zé Manel ter tombado do leito quando se esticava para ver o video do Vitinho que estava a ser projectado no tecto.
Amanhã, conquistaremos Tui.